segunda-feira, 26 de abril de 2010

As exigências morais no pensamento do Papa

Se olharmos com cuidado, para Bento XVI a crise da fé e a crise da ética atual são duas realidades intimamente conexas, já que a moral ocidental nasceu da cultura gerada pelo judeu-cristianismo. Essa crise, seja da fé que da moral aparece, segundo Ratzinger, seja na cultura européia laica, seja na própria teologia moral.

Na verdade, a questão fundamental é a fé em Jesus Cristo, o encontro com a sua Pessoa – a preocupação do Papa em publicar um livro sobre Jesus vai, precisamente, na tentativa de provocar esse encontro bendito. A fé no Salvador é um dom. Mas não se trata somente de uma adesão: deve tornar-se um constante permanecer no Senhor, viver nele, até tornar-se um modo de ser, de viver e de compreender a realidade.


Como Bento XVI recordou no Brasil, na abertura da Conferência de Aparecida, fé nos faz ver e avaliar a partir de Deus – de Deus como se revelou em Jesus Cristo e é anunciado pela Igreja. Assim sendo, a fé nos dá uma nova percepção da realidade e da vida, uma percepção mais global, mais profunda, mais verdadeira que qualquer outra percepção, gerada por qualquer outro ponto de vista, por válido e positivo que seja. Aqui, tem-se uma idéia tipicamente agostiniana. Era o santo Bispo de Hipona que insistia no crer para poder compreender!

O conhecimento provindo da fé nos ajuda a compreender Deus, nós mesmos e o próprio mundo. Tem-se, então, um conhecimento mais profundo que aquele filosófico e científico. Não que esses três modos de perceber a realidade se contraponham, mas, certamente, a fé abre novas possibilidades à ciência e à filosofia, pois, sem em nada forçar ou desfigurar os métodos dessas áreas de saber, no entanto, oferece-lhes uma possibilidade mais profunda para interpretar a realidade.


É somente como resposta do homem livre a Deus que se nos revelou e se nos deu em Jesus Cristo que se pode compreender a moral cristã. Não se trata de algo imposto de fora, mas das conseqüências de um sim livre, responsável e amoroso dado a Deus em Cristo. É importante recordar que todo amor é conseqüente, é exigente! É daqui que brota uma ética da fé: um modo de viver inspirado, fundado e alimentado pela fé em Cristo, que nasce do encontro vivo com ele.

Bento XVI quis exprimir isso de modo muito belo na sua Encíclica Deus caritas est. Tal encontro, no entanto, porquanto seja pessoal, dá-se sempre no “nós” da Igreja. É na Comunidade dos crentes que ouve a Palavra, celebra os sacramentos e procura viver no Senhor, que o encontro pessoal com Cristo torna-se sempre objetivo, real e não fruto de uma ilusão ou de um delírio subjetivo. Um Jesus que não seja o Jesus da Igreja e presente na Igreja, é um Jesus ilusório, fruto de nossos preconceitos.


Por isso, a moral tal como a Igreja apresenta, não é algo que nos vem de fora para impor, mas, na experiência de fé, torna-se expressão exigente de um amor radical: o de Deus que tanto amou a ponto de entregar o Filho, obediente em amor por nós até a morte de cruz, por um lado; e, por outro lado, o nosso amor, que deve concretizar-se na resposta concreta de dizer “sim” aos apelos do Senhor com um modo de pensar, julgar e agir próprios do Evangelho.


Assim sendo, o pensamento de Bento XVI nos ajuda a perceber que a espiritualidade e a moral devem caminhar juntas. Uma moral sem espiritualidade seria um moralismo asfixiante e desumanizador. Se o mundo percebe a moral cristã assim, é exatamente porque falta a experiência viva e pessoal do encontro espiritual com Jesus Cristo!


Por outro lado a espiritualidade verdadeira exige a moral: seguir a Cristo compreende não somente a intimidade com ele mas também a resposta concreta aos seus apelos. Daqui nasce a moral cristã! Assim, o Papa nos quer fazer compreender que o liame que garante a nossa liberdade, por um lado, e a verdade cristã, por outro, é a fé-adesão-amor a Jesus Cristo, que, naturalmente, inclui a espiritualidade e a moral, dando um verdadeiro e global sentido à vida e à realidade.  A crise atual é gerada, sem dúvida, pela falta de tal experiência!
 
Por: Dom Henrique Soares da Costa

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