domingo, 6 de junho de 2010

"Apareceu no meio de nós um grande profeta; Deus visitou o seu povo".

Fonte: Abadia de São Bento de Singeverga - Portugal


A vida é o dom e o bem mais precioso para cada pessoa. A liturgia da palavra que nos é proposta neste domingo chama-nos a atenção para esta realidade. No evangelho, Jesus dá a vida ao filho da viúva de Naim, um acontecimento da vida de Jesus que é antecipado profeticamente por um acontecimento muito semelhante, aquele que nos é proposto na primeira leitura (1Re 17,17-24), a celebração da vida do filho da viúva de Sarepta. 

 Os dois episódios estão estritamente ligados entre si, através do método tipológico, o critério adoptado pela reforma do leccionário proposto pelo Concílio Vaticano II e que tem o seu modelo nas homilias dos antigos padres da igreja, nas quais, interpretando as escrituras, estabeleciam a ligação entre os Testamentos e garantiam o valor ontológico dos acontecimentos: O Antigo testamento é sempre anúncio profético, prefiguração e antecipação do evento sacramental de Cristo, da sua encarnação, da sua vida entre os homens, bem como da sua morte e ressurreição. 

 Se neste ano C somos conduzidos pela leitura semi-contínua do Evangelho de Lucas (“semi-contínua” porque escutamos apenas aqueles acontecimentos considerados mais importantes para a formação dos fiéis), a primeira leitura (normalmente do Antigo Testamento, sobretudo no tempo comum que hoje retomamos) não obedece a nenhum critério de leitura contínua da bíblia, mas é escolhida de acordo com o acontecimento narrado no evangelho, de acordo com o método tipológico referido. 

 Esta leitura tipológica da Sagrada Escritura transparece hoje claramente na relação ontológica existente entre a primeira leitura e no evangelho que escutámos: Os mortos são dois rapazes e as respectivas mães são viúvas. Trata-se da dor mais angustiante porque as duas viúvas são as criaturas que na sociedade hebraica estão colocadas no último patamar da escala social (viúvas e órfãos), postas à prova por uma dor sem igual: a perda de um filho único. A resposta de Elias e de Jesus têm também a mesma fisionomia (ressurreição do filho), mas possuem uma identidade diferente, que se desvela nas exclamações conclusivas nos respectivos textos.

 Na primeira leitura a viúva exclama: «agora vejo que és um homem de Deus e que se encontra verdadeiramente nos teus lábios a palavra do Senhor»; e no evangelho os que presenciaram o milagre confirmam a diferença: «Apareceu no meio de nós um grande profeta; Deus visitou o seu povo». 

As duas exclamações ajudam-nos a concluir o seguinte: Elias é reconhecido como profeta, porque realiza obras de Deus, Jesus é chamado de “grande profeta” (porque conheciam as obras de Elias e portanto atribuem-lhe o mesmo nome), mas é mais do que profeta, é o messias, é a «visita de Deus», é a presença de Deus entre os homens ou, melhor ainda, é Deus. O método tipológico é importante nesta relação porque estabelece uma relação entre os acontecimentos do Antigo Testamento e os do Novo Testamento, mas salvaguarda as diferenças.

 De acordo com este método Jesus será chamado o “novo Elias”, o protagonista da primeira leitura (como também será chamado de “novo Moisés”, “novo Adão”, “novo Abraão”, “novo Isaac”), mas as diferenças serão sempre respeitadas: Jesus é mais do que Moisés, mais do que Elias e mais do que Adão. Porque as personagens e os acontecimentos do Antigo Testamento serão sempre prefiguração e anúncio de Cristo, no qual se realizam todas essas prefigurações, porque Ele é o “Deus” anunciado pelo Antigo Testamento, Ele é o messias, a realização de todas as personagens e acontecimentos do Antigo Testamento. A incarnação de Cristo é a “visita” de Deus à humanidade.

 O milagre da ressurreição do filho da viúva de Naim é a sua síntese mais concreta. Deus visita o seu povo para que o homem tenha a vida e para consolação de quem é escravo do mal. Tudo parte da “compaixão” de Jesus para com a viúva, posta à prova pela morte do marido e pela morte do filho. A mulher é circundada pela morte, como Adão e Eva depois do pecado. A “compaixão” de Deus restitui a vida ao filho da viúva para que ela se sinta feliz. Deus sabe consolar os corações aflitos e sabe mudar as lágrimas em alegria (Cf. Ap 21,4). 

 Naim representa, portanto, o encontro de duas multidões (dois grupos). Por um lado, os “discípulos e uma grande multidão” acompanham Jesus, por outro, a viúva era acompanhada de “muita gente da cidade” que participava do funeral. 

O primeiro grupo segue Jesus porque já tinha descoberto o seu amor pelos homens (Tito 3,4) e o reconhecia como Salvador, o segundo grupo segue a maldição da primeira Aliança, que Deus tinha comunicado a Adão como consequência da desobediência: «lembra-te que és pó e ao pós hás-de tornar» (Gen 3, 19). No entanto, as duas multidões serão testemunhas da “compaixão” de e do seu poder. 

 A reacção das duas multidões (de todos) é o temor e a glorificação. Recordamos que no contexto bíblico o “temor” não é o medo, mas o amor obediente para com Deus. A glorificação não é só o louvor, mas também o testemunho alegre daquilo que Deus fez. As duas multidões não evidenciam o milagre, mas através do milagre evidenciam a presença de Deus no meio dos homens. 

O homem, portanto, não é um grão de areia à deriva no universo. O homem é a criatura que Deus “visita” com amor compassivo.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

A TEOLOGIA DO SACRIFÍCIO DA MISSA

Por: Dom Licínio Rangel


A “Confissão de Augsburgo”, protestante, viu bem a mudança radical do novo rito da missa, ao declarar: “Nós fazemos uso das novas preces eucarísticas (católicas) que têm a vantagem de pulverizar (reduzir a pó) a teologia do Sacrifício” (“L' Eglise d' Alsace”, dez/73 e jan/74. Apud “La Messa di Lutero”, por Dom Lefebvre).

Essas “preces eucarísticas” da missa nova, oficialmente em número de quatro, mas que já são muito mais, correspondem ao único “Cânon” da Missa tradicional. É a parte central e sacrifical da Missa, e que fica entre o “Sanctus” e o “Pater Noster”. É exclusiva do celebrante que deve pronunciá-la em latim e em voz baixa (Concílio de Trento). Nela tem lugar a grande “Ação sacrifical de Jesus Cristo”, que Ele renova na Consagração. É através dela que Cristo se torna presente realmente, e se coloca sob as Espécies Sacramentais em estado de Vítima imolada. Aí renova Ele a oblação sacrifical que fez de si mesmo ao Pai na Cruz. E isso, em virtude da Ordem (Sacramento do sacerdócio) que deu aos Apóstolos de fazerem o mesmo que ele tinha feito (Lc. 22,19).

É o seu ato sacrifical, que é único e uno, e que foi realizado uma vez por todas, cruentamente na Cruz e misticamente, na última Ceia. E que, por sua ordem, de novo se torna presente, de modo místico, mas real, em cada verdadeira Missa. Assim, deu Jesus cumprimento à profecia de Malaquias: “Do nascente ao poente (...) e em todo lugar, será oferecido ao meu nome uma oblação pura” (Mal. 1,11).

A Santa Missa abrange ou realiza os quatro fins do Sacrifício: o latrêutico ou de adoração; o eucarístico ou de ação de graças; o propiciatório ou de expiação; e o impetratório ou de súplica. O fiel, unindo-se por esses atos a Jesus Cristo, que, na Missa como na Cruz, é ao mesmo tempo, Sacerdote e Vítima, participa dos frutos da Redenção e cumpre os seus deveres fundamentais para com Deus. Desses frutos também participam todos os fiéis espalhados pelo mundo.

O caráter sacrifical da Missa católica é indicado por vários modos:
a) Por ser a renovação e perpetuação, de modo incruento, do Sacrifício da Cruz, o qual, por sua vez, deu cumprimento aos sacrifícios figurativos do Antigo Testamento. Jesus Cristo unificou, na Cruz e na Ceia-Missa, os vários aspectos dos sacrifícios figurativos da Antiga Aliança indicados acima (nº 4 deste).

b) Pelas palavras de sentido sacrifical da liturgia dos sacrifícios figurativos do Antigo Testamento, das quais Jesus fez uso na última Ceia: “Isto é o meu Corpo que é entregue por vós”, e “Este é o Cálice de meu Sangue que é derramado por vós”. Note-se o verbo no tempo presente (texto original), indicando um derramar de seu Sangue no próprio ato consecratório.

c) Pela realização da “morte sacramental” de Jesus significada através da Consagração das espécies do pão e do vinho, em separado. A separação sacramental do Corpo e do Sangue significa e realiza misticamente a morte de Jesus Cristo.

d) Pelo ofertório, com as preces que o acompanham, e que indicam explicitamente que a Santa Missa é sacrifício, e sacrifício propiciatório, isto é, que desagrava a Deus pelos pecados, para os quais impetra o perdão. De fato, nele o celebrante declara que o oferece “... por seus pecados..., pelos de todos os fiéis vivos e defuntos... para que a todos aproveite a vida eterna”.

e) Por fim, a Fé da Igreja que sempre professou essa verdade e no Concílio de Trento sentenciou infalivelmente contra os protestantes: “Se alguém disse que a Missa é só Sacrifício de louvor, e não propiciatório (...) seja anátema (Denz. Sch. 1753).

“Sacrifício de louvor” era o que ainda admitia Lutero. Não basta, porém, isso para termos toda a “teologia do sacrifício”, que é necessário admitir-se completa e que a Confissão protestante de Augsburgo declara “ter sido pulverizada pelas novas preces eucarísticas” da missa nova.

Por isso, a primeira medida de Lutero contra o caráter sacrifical da Missa, foi a supressão do ofertório, que mais explicitamente o expressa. Depois fez as outras mudanças. Foi igualmente o que fez Paulo VI na nova missa, transformando o ofertório em uma simples apresentação de dons conforme prática judaica na suas sinagogas.

Em seguida, Lutero alterou as palavras da instituição, fazendo da parte consecratória e da narrativa, que são bem distintas, uma só, e mandando pronunciar tudo em tom narrativo e em voz alta. Tudo para suprimir qualquer idéia de ação pessoal do celebrante e pois, toda a idéia de sacrifício; e assim inculcar nos assistentes a idéia protestante de simples ceia-memorial.

Também a reforma de Paulo VI, do rito da Missa, alterou a forma da Consagração, transpondo para fora dela as palavras “Mysterium fidei”, e suprimindo o ponto gráfico que separava bem a parte narrativa, da parte consecratória, de modo que o celebrante é levado a pronunciar tudo em tom narrativo como quem apenas conta um fato acontecido no passado, e não como quem faz uma ação pessoal, que torna de novo presente a mesma realidade operada por Jesus Cristo, e por Ele ordenada que fosse renovada perpetuamente mediante o ministério do sacerdote (Lc. 22,19).

Vê-se pois, por essa pequena amostra – e há muitos outros pontos nos quais a missa nova não é mais a pura expressão da Fé Católica – como é de suma importância a nossa fé nesse aspecto da Missa como sacrifício. Aí está a prova. Os protestantes tomam ares de festa com a sua supressão, através da Missa nova.

No entanto, não ficou nisso toda a reforma luterana do rito da Missa, mas tendo por objetivo suprimir a própria Missa, partiu Lutero para a supressão do sacerdócio católico, que fora instituído por Jesus Cristo, para garantir a perpetuidade do santo Sacrifício da Missa. Pois ele sabia bem que sem sacerdote verdadeiro não há missa verdadeira, mas simples ceia-comemorativa da última Ceia celebrada por Cristo.

Por isso, seguindo esse mesmo espírito, a atual reforma do rito da Missa, feita por Paulo VI, apresenta uma clara tendência a prescindir do padre como único sacrificador da Divina Vítima no sacrifício do Altar. De fato, a “Institutio generalis”, que promulga o novo rito, ao dar uma definição de Missa, que os protestantes assinariam, apresenta a Missa como sendo constituída essencialmente pela “assembléia dos fiéis reunidos para celebrar o memorial do Senhor, sob a presidência do celebrante”.

Note-se que foi acrescentada posteriormente a afirmação de que o celebrante “agit in persona Christi” (age no lugar de Cristo e como seu representante), [mas esta] não alterou a afirmação de que quem celebra o “memorial do Senhor é a assembléia dos fiéis” (cf. Institutio Generalis, nº 7), e não o sacerdote, sozinho.

Preparou-se assim, a negação explícita da própria presença sacramental e real de Jesus Cristo na Divina Eucaristia, como atualmente os neo-modernistas mas avançados estão fazendo. Os neo-catecumenais, por exemplo, que proíbem os fiéis de se ajoelharem na Consagração, porque - dizem - tudo não passa de simples símbolos. Eis aí a prova de que a Nova Missa leva gradualmente ao protestantismo.

É o bastante para já se entender porque os Cardeais Ottaviani e Bacci, em carta a Paulo VI, ao lhe apresentarem o “Breve Estudo Crítico da nova missa”, tenham afirmado: “O novo rito da Missa se distancia de modo impressionante, no seu todo e nos seus pontos particulares, da teologia católica da Missa”.

Também ultimamente, o Cardeal Stickler declarou que “o novo rito da Missa é uma adaptação à idéia protestante do culto”. Ele cita também o escritor francês Jean Guitton que escreveu o seguinte: “O Papa Paulo VI me confiou que era sua intenção assemelhar, o mais possível, a nova liturgia ao culto protestante” (em “Fideliter”, nº 109). Isso confirma o que já havia dito o perito em Liturgia, Mons. Klaus Gamber: “A reforma litúrgica de Paulo VI foi mais radical que a de Lutero” (Em “A Reforma Litúrgica em questão” - Ed. Francesa, com prefácio do Cardeal Ratzinger).

quarta-feira, 2 de junho de 2010

ORIGEM DA FESTA DE CORPUS CHRISTI

                    

Benção do Santíssimo Sacramento no Rito Tridentino


MONGES BENEDITINOS FAZEM CAMPANHA ON-LINE

                     

segunda-feira, 31 de maio de 2010

FESTA DA VISITAÇÃO DE NOSSA SENHORA


Após a anunciação do anjo, Maria sai (apressadamente, diz S. Lucas) para fazer uma visita à sua prima Isabel e prestar-lhe serviços (pois esta espera em seu ventre o precursor João Batista). A viagem de Maria é longa, vai a Jerusalém, passa a Samaria e atinge Ain-Karin, na Judéia, onde mora a família de Zacarias.

É fácil imaginar o sentimentos que povoam sua alma na meditação do mistério anunciado pelo anjo. São sentimentos de humilde gratidão para com a grandeza e bondade de Deus, que Maria expressará na presença da prima com o hino do Magnificat, a expressão “do amor jubiloso que canta e louva o amado” (diz S. Bernardino de Sena): “A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador...”

A presença do Verbo encarnado em Maria é causa de graça para Isabel que, inspirada, percebe os grandes mistérios que se operam na jovem prima, a sua dignidade de Mãe de Deus, a sua fé na palavra divina e a santificação do precursor, que exulta de alegria no ventre da mãe. Maria ficou com Isabel até o nascimento de João Batista, aguardando provavelmente outros oito dias para o rito da imposição do nome. Aceitando esta contagem do período passado junto com a prima Isabel, a festa da Visitação, de origem franciscana (os frades menores já a celebravam em 1263), era celebrada a dois de julho, isto é, ao término da visita de Maria. Teria sido mais lógico colocar a memória depois do dia 25 de março, festa da Anunciação, mas procurou-se evitar que caísse no período quaresmal.

A festa foi depois estendida a toda a Igreja Latina pelo papa Urbano VI para propiciar com a intercessão de Maria a paz e a unidade dos cristãos divididos pelo grande cisma do Ocidente. O sínodo de Basiléia, na sessão do 1º de julho de 1441, confirmou a festividade da Visitação, não aceita, no início pelos Estados que defendiam o antipapa.

O atual calendário litúrgico, não levando em conta a cronologia sugerida pelo episódio evangélico, abandonou a data tradicional de 2 de julho (antigamente a Visitação era celebrada também em outras datas) para fixar-lhe a memória no último dia de maio, como coroação do mês que a devoção popular consagra ao culto particular da Virgem. “Na Encarnação – comenta são Francisco de Sales – Maria se humilha confessando-se a serva do Senhor... Porém, Maria não fica só na humilhação diante de Deus, pois sabe que a caridade e a humildade não são perfeitas se não passam de Deus ao próximo. Não é possível amar Deus que não vemos, se não amamos os homens que vemos. Esta parte realiza-se na Visitação.”

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Também neste dia 31 de maio da festa da visitação de Nossa Senhora, queremos nos alegrar e celebrar com nosso irmão Alex dos Santos Silva, que completa mais um ano de vida. Desejamos que o Espírito Santo possa sempre o conduzir nos caminhos de Deus, nosso Pai,  e que sua vida seja testemunho, a exemplo de Maria Santíssima, do pleno cumprimento da Vontade de Deus.

Parabéns Alex! São os votos de "Nota Católica".

domingo, 30 de maio de 2010

SANTÍSSIMA TRINDADE

Por: Prof. Felipe Aquino


Só existe um Deus, mas n'Ele há três Pessoas divinas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Não pode haver mais que um Deus, pois este é absoluto. Se houvesse dois deuses, um deles seria menor que o outro, e Deus não pode ser menor que outro, pois não seria Deus.

A Trindade é Una. “Não professamos três deuses, mas um só Deus em três pessoas: “a Trindade consubstancial” (II Conc. Constantinopla, DS 421). “O Pai é aquilo que é o Filho, o Filho é aquilo que é o Pai, o Espírito Santo é aquilo que são o Pai e o Filho, isto é, um só Deus por natureza” (XI Conc. Toledo, em 675, DS 530). “Cada uma das três pessoas é esta realidade, isto é, a substância, a essência ou a natureza divina” (IV Conc. Latrão, em 1215, DS 804).

A Profissão de Fé do Papa Dâmaso, diz: “Deus é único, mas não solitário” (Fides Damasi, DS 71). “Pai”, “Filho”, “Espírito Santo” não são simplesmente nomes que designam modalidades do ser divino, pois são realmente distintos entre si: “Aquele que é Pai não é o Filho, e aquele que é o Filho não é o Pai, nem o Espírito Santo é aquele que é o Pai ou o Filho” (XI Conc. Toledo, em 675, DS 530). São distintos entre si por suas relações de origem: “É o Pai que gera, o Filho que é gerado, o Espírito Santo que procede” (IV Conc. Latrão, e, 1215, DS 804).

A Igreja ensina que as pessoas divinas são relativas umas às outras. Por não dividir a unidade divina, a distinção real das pessoas entre si reside unicamente nas relações que as referem umas às outras:

“Nos nomes relativos das pessoas, o Pai é referido ao Filho, o Filho ao Pai, o Espírito Santo aos dois; quando se fala destas três pessoas considerando as relações, crê-se todavia em uma só natureza ou substância” (XI Conc. Toledo, DS 675). “Tudo é uno [neles] lá onde não se encontra a oposição de relação” (Conc. Florença, em 1442, DS 1330). “Por causa desta unidade, o Pai está todo inteiro no Filho, todo inteiro no Espírito Santo; o Filho está todo inteiro no Pai, todo inteiro no Espírito Santo; o Espírito Santo, todo inteiro no Pai, todo inteiro no Filho” (Conc. Florença, em 1442, DS 1331).

Aos Catecúmenos de Constantinopla, S. Gregório Nazianzeno (330-379), “o Teólogo”, explicava:

“Antes de todas as coisas, conservai-me este bem depósito, pelo qual vivo e combato, com o qual quero morrer, que me faz suportar todos os males e desprezar todos os prazeres: refiro-me à profissão de fé no Pai e no Filho e no Espírito Santo. Eu vo-la confio hoje. É por ela que daqui a pouco vou mergulhar-vos na água e vos tirar dela. Eu vo-la dou como companheira e dona de toda a vossa vida. Dou-vos uma só Divindade e Poder, que existe Una nos Três, e que contém os três de maneira distinta. Divindade sem diferença de substância ou de natureza, sem grau superior que eleve ou grau inferior que rebaixe... A infinita conaturalidade é de três infinitos. Cada um considerado em si mesmo é Deus todo inteiro... Deus os Três considerados juntos. Nem comecei a pensar na Unidade, e a Trindade me banha em seu esplendor. Nem comecei a pensar na Trindade, e a unidade toma conta de mim (Or. 40,41).

O primeiro catecismo chamado Didaqué, do ano 90 dizia:

"No que diz respeito ao Batismo, batizai em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo em água corrente. Se não houver água corrente, batizai em outra água; se não puder batizar em água fria, façais com água quente. Na falta de uma ou outra, derramai três vezes água sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Didaqué 7,1-3).

São Clemente de Roma, papa no ano 96, ensinava: "Um Deus, um Cristo, um Espírito de graça" (Carta aos Coríntios 46,6). "Como Deus vive, assim vive o Senhor e o Espírito Santo" (Carta aos Coríntios 58,2).

Santo Inácio, bispo de Antioquia (†107), mártir em Roma, dizia: "Vós sois as pedras do templo do Pai, elevado para o alto pelo guindaste de Jesus Cristo, que é a sua cruz, com o Espírito Santo como corda" (Carta aos Efésios 9,1).

"Procurai manter-vos firmes nos ensinamentos do Senhor e dos Apóstolos, para que prospere tudo o que fizerdes na carne e no espírito, na fé e no amor, no Filho, no Pai e no Espírito, no princípio e no fim, unidos ao vosso digníssimo bispo e à preciosa coroa espiritual formada pelos vossos presbíteros e diáconos segundo Deus. Sejam submissos ao bispo e também uns aos outros, assim como Jesus Cristo se submeteu, na carne, ao Pai, e os apóstolos se submeteram a Cristo, ao Pai e ao Espírito, a fim de que haja união, tanto física como espiritual" (Carta aos Magnésios 13,1-2).

São Justino, mártir no ano 151, escreveu essas palavras ao imperador romano Antonino Pio: "Os que são batizados por nós são levados para um lugar onde haja água e são regenerados da mesma forma como nós o fomos. É em nome do Pai de todos e Senhor Deus, e de Nosso Senhor Jesus Cristo, e do Espírito Santo que recebem a loção na água. Este rito foi-nos entregue pelos apóstolos" (I Apologia 61).

São Policarpo de Esmirna, que foi discípulo de S. João evangelista, mártir no ano 156, disse: "Eu te louvo, Deus da Verdade, te bendigo, te glorifico por teu Filho Jesus Cristo, nosso eterno e Sumo Sacerdote no céu; por Ele, com Ele e o Espírito Santo, glória seja dada a ti, agora e nos séculos futuros! Amém." ( Martírio de Policarpo 14,1-3).

Teófilo de Antioquia, ano 181: "Igualmente os três dias que precedem a criação dos luzeiros são símbolo da Trindade: de Deus [=Pai], de seu Verbo [=Filho] e de sua Sabedoria [=Espírito Santo]" (Segundo Livro a Autólico 15,3).

S. Irineu de Lião, ano 189: "Com efeito, a Igreja espalhada pelo mundo inteiro até os confins da terra recebeu dos apóstolos e seus discípulos a fé em um só Deus, Pai onipotente, que fez o céu e a terra, o mar e tudo quanto nele existe; em um só Jesus Cristo, Filho de Deus, encarnado para nossa salvação; e no Espírito Santo que, pelos profetas, anunciou a economia de Deus..." (Contra as Heresias I,10,1).

"Já temos mostrado que o Verbo, isto é, o Filho esteve sempre com o Pai. Mas também a Sabedoria, o Espírito estava igualmente junto dele antes de toda a criação" (Contra as Heresias IV,20,4).

Tertuliano, escritor romano cristão, no ano 210: "Foi estabelecida a lei de batizar e prescrita a fórmula: 'Ide, ensinai os povos batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo'" (Do Batismo 13).

E o Concílio de Nicéia, ano 325, confirmou toda essa verdade:

"Cremos... em um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, nascido do Pai como Unigênito, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial com o Pai, por quem foi feito tudo que há no céu e na terra. [...] Cremos no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai, com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, o qual falou pelos Profetas" (Credo de Nicéia).

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O QUE É O PECADO IMPERDOÁVEL?

Por: Emerson H. de Oliveria
Fonte: http://www.veritatis.com.br/

O tipo de pecado que a Bíblia menciona como imperdoável não é simplesmente da categoria do furto, da mentira ou da imoralidade sexual. Estas coisas são sérias, porém, e podem envolver o pecado imperdoável. (Ap. 21,8) Mas o pecado imperdoável é um pecado deliberado contra a operação manifesta do Espírito Santo de Deus. Provém do coração que se afastou totalmente e para sempre de Deus.

Os líderes religiosos judaicos, que foram à Galiléia para ver e ouvir a Jesus Cristo, em certa ocasião já haviam deliberado como o poderiam destruir. (Mat. 12,14) Na Galiléia, viram Jesus curar um homem que não podia falar, era cego e possesso de demônios. Em vez de admitirem o fato óbvio de que Jesus fazia os milagres por obra do Espírito Santo de Deus, os fariseus acusaram-no maliciosamente de fazê-las por meio do poder de Satanás. Depois de mostrar quão errados estavam, Jesus disse:

"Por isso, vos declaro: todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á isso perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir." — Mat. 12,31,?32; Mar. 3,28,?29; Luc. 12,10.

No caso destes líderes religiosos, não se tratava apenas de não se convencerem com os ensinos e as obras de Cristo. As pessoas de Corazim e Betsaida tinham estado tão preocupadas com o seu modo de vida, que não aceitaram a Jesus, nem se arrependeram; no entanto, serão evidentemente beneficiados pela misericórdia de Deus, e terão uma ressurreição e uma oportunidade futura de aprender o caminho da justiça. (Mat. 11,20-24) Nem era no caso dos fariseus uma questão de blasfemarem e de se oporem aos verdadeiros adoradores por desconhecerem a vontade de Deus.

Saulo de Tarso fora um homem assim, mas recebeu misericórdia e perdão. (1Tim. 1,13-16) Antes, estes líderes religiosos estavam corrompidos no coração, até o âmago, e Jesus sabia disso. Dessemelhantes do povo comum, eles tinham muito conhecimento da Palavra de Deus. Haviam então visto uma demonstração evidente do Espírito de Deus. Não obstante, rejeitaram completamente o que o Espírito Santo tinha realizado e atribuíram os milagres de Jesus, de modo blasfemo, ao poder de Satanás. Quão vil é que se pode alguém tornar?

Era sério o pecado deles? Jesus, "conhecendo os pensamentos deles", dava-se conta de que eles pecavam deliberadamente — com os olhos bem abertos aos fatos — contra o conhecimento da operação do Espírito Santo. Ele indicou que eram "culpados de pecado eterno". (Mat. 12,25; Mar. 3:29) Por causa do contexto destas palavras, e em vista do fato de que Jesus disse mais tarde que muitos dos líderes religiosos daquele tempo se destinavam à Geena, parece que haviam cometido o pecado imperdoável. (Mat. 23:15,33) Seu pecado era imperdoável, não porque Deus não é Deus perdoador, mas porque estavam além de arrependimento e além de serem restabelecidos. Seu pecado os deixou em total infidelidade quanto à adoração a Deus. Mesmo no porvir, quem for culpado de tal pecado não receberia perdão.

O Catecismo ensina:

1031 - A Igreja denomina Purgatório esta purificação final dos eleitos, que é completamente distinta do castigo dos condenados. A Igreja formulou a doutrina da fé relativa ao Purgatório sobretudo no Concílio de Florença e de Trento. Fazendo referência a certos textos da Escritura, a tradição da Igreja fala de um fogo purificador:

No que concerne a certas faltas leves, deve-se crer que existe antes do juízo um fogo purificador, segundo o que afirma aquele que é a Verdade, dizendo, que, se alguém tiver pronunciado uma blasfêmia contra o Espírito Santo, não lhe será perdoada nem presente século nem no século futuro (Mt 12,32). Desta afirmação podemos deduzir que certas faltas podem ser perdoadas no século presente, ao passo que outras, no século futuro.

É possível que alguém peque hoje contra o Espírito Santo e assim esteja além de perdão? Sim, é possível. É possível que alguém fique tão desesperançosamente corrompido na mente e no coração, que leve o pecado ao ponto de pecar contra o Espírito. E não é preciso que seja cristão ungido com o Espírito. Lembre-se de que aqueles fariseus não eram cristãos ungidos, e ainda assim haviam cometido o pecado imperdoável.
A Igreja ensina:

1033 - Não podemos estar unidos a Deus se não fizermos livremente a opção de amá-lo. Mas não podemos amar a Deus se pecamos gravemente contra Ele, contra nosso próximo ou contra nós mesmos: "Aquele que não ama permanece na morte. Todo aquele que odeia seu irmão é homicida; e sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permanecendo nele" (1 Jo 3,14-15).

Nosso Senhor adverte-nos de que seremos separados dele se deixarmos de ir ao encontro das necessidades graves e espirituais dos pobres e dos pequenos que são seus irmãos morrer em pecado mortal sem ter-se arrependido dele e sem acolher o amor misericordioso de Deus significa ficar separado do Todo-Poderoso para sempre, por nossa própria opção livre. E é este estado de auto­-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados que se designa com a palavra "inferno".

Como se saberia que se tinha cometido o pecado imperdoável?

Este tipo de pecado está relacionado com o que lemos em Hebreus 10,26: "Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados." Portanto, é a qualidade deliberada ou voluntária que está envolvida neste tipo de pecado.

Alguém peca empedernidamente, plenamente apercebido de que age diametralmente contrário à operação do Espírito de Deus e de Suas leis justas. Além disso, todos nós pecamos e necessitamos do sacrifício de resgate de Cristo para obter perdão. Mas, "não há mais nenhum sacrifício pelos pecados" para aquele que sabe disso e "que tiver pisado o Filho de Deus e que tiver considerado de pouco valor o sangue" que ele derramou. Este tem "ultrajado o Espírito da Graça". (Heb. 10,29) Ele nunca se arrependerá e procurará humildemente o perdão de Deus pelo seu pecado e pela rejeição do resgate de Cristo. Está além de arrependimento.

Mas, é preciso lembrar-se de um ponto importante: No caso de Jesus, ele conhecia os pensamentos mais íntimos e a condição do coração dos judeus, e assim podia ter a certeza de que tinham pecado contra o Espírito Santo. Os homens imperfeitos, hoje em dia, não podem ler o coração assim como Deus e Jesus podem, por isso não podemos determinar quando alguém levou o pecado ao ponto de ter pecado contra o Espírito. (Mat. 12,25; Heb. 4,13) Isto cabe a Deus decidir.

Mesmo quando alguém for expulso da Igreja, não significa isso necessariamente que tenha cometido o pecado imperdoável. Poderá mais tarde arrepender-se. Na Igreja primitiva, um cristão ungido havia sido desassociado por sua imoralidade e falta de evidência de arrependimento. No entanto, este homem foi evidentemente readmitido mais tarde na Igreja, mostrando que não havia pecado contra o Espírito Santo. — 1Cor. 5,1-5; 2Cor. 2,6-8.

Todavia, o mero fato de que é possível pecar contra o Espírito Santo deve manter-nos alertas. Visto que somos criaturas imperfeitas, pecamos inconscientemente cada dia. Quando alguém se sente profundamente atingido no coração e se arrepende realmente dos seus pecados, então constitui isso evidência de que não cometeu o pecado imperdoável.

Quão importante é, pois, que mantenhamos um espírito humilde, admitindo nossos erros e buscando o perdão de Deus. (1João 1,9; Miq. 7,18) E, ao reconhecermos que a condenação é o quinhão dos que são "culpados" de pecado eterno’, o pecado contra o Espírito Santo, devemos esforçar-nos a evitar fazer do pecado um hábito ou a negar a operação evidente do Espírito de Deus.

terça-feira, 25 de maio de 2010

FICAR É PECADO?

Por: Everton do N. Siqueira


Tenho visto diversos carros em nossa cidade com um enorme escrito na parte traseira “FICAR É PECADO!” (Uma afirmação).

Com base nisso, resolvi escrever esse texto para esclarecer um pouco mais sobre o assunto.

Em primeiro lugar, temos que entender que a moral cristã não se baseia em “listas de pecados” ou tabela com duas colunas “Sim, pode” X “Não, não pode”, mas em uma análise de princípios abstratos que devem ser aplicados aos casos práticos. Por isso você não vai encontrar em nenhum documento magisterial a afirmação “Ficar é pecado!” ou o contrário. E exatamente por isso sou totalmente contra esse tipo de propaganda puritana colada nas traseiras dos veículos.

O termo “ficar”, tão popular entre os jovens pode ser entendido de diversas formas às quais tentarei dividir em três modalidades:

Há aqueles que vão para uma balada ou festa, ou qualquer outro ambiente na tentativa de “ficar” com uma pessoa (ou várias), no sentido de dizer poucas palavras, dar um beijo (ou vários), abraçar, aproveitar de um momento de suposta “felicidade” sem o menor compromisso.

O ser humano, criado por Deus sua imagem e semelhança deve ser visto e respeitado como tal. Num relacionamento humano, é a razão que deve ser a palavra chave, e nunca o instinto. Quando o corpo humano se torna um simples produto, usado para se alcançar um benefício próprio, ele está ferindo diretamente os Mandamentos de Deus.

O nosso corpo é Templo do Espírito Santo (Conf. 1 Cor 6,19) e não pode ser comercializado ao preço de uma satisfação momentânea ou de um status perante os amigos e as amigas. Um beijo dessas “ficadas” que os jovens costumam dar em pessoas desconhecidas (muitas vezes sequer sabendo o nome da outra pessoa) assemelha-se ao beijo de Judas, uma verdadeira traição, uma traição à realidade natural do homem que é imagem e semelhança de Deus.

A pergunta aqui deveria ser substituída: Ao invés de perguntar: “Ficar é pecado?” deveríamos perguntar: “Usar o outro como mero objeto de satisfação momentânea ou de prazer egoísta é pecado?” – A resposta, creio que todos já saibamos.

Outra “modalidade” do ficar diz respeito a pessoas se conhecem, e passam a sair juntas por um tempo, qualquer pessoa poderia alegar que estão namorando, mas a diferença essencial é que não existe cobrança, nem fidelidade e muito menos compromisso e respeito.

Nessa “modalidade” enquanto se está ficando com alguém, o jovem pode beijar outra pessoa, pode sumir sem dar satisfações, pode ignorar a pessoa quando a vê na rua, pode até tratar o outro com total indiferença, afinal “não estão namorando”, não pode existir cobranças. Nessa “modalidade” além do total desrespeito ao próximo (exatamente como acontece no exemplo acima) as pessoas assemelham-se àquele homem insensato que constrói a sua casa sobre a areia, construindo um relacionamento sobre a falsidade e a hipocrisia. (Conf Mt 7,26s; Lc 6,49) As mais prejudicadas nessa “modalidade” são as mulheres que aceitam essa humilhação na esperança de que esse “ficar” se torne algo sério e possa vir a se tornar um namoro autêntico e duradouro.

Por último, temos uma “modalidade” de ficar que consiste em sair juntos por determinado tempo para decidir se são ou não compatíveis a iniciar um namoro.

Claro que, neste “sair juntos”, as vezes pode rolar um beijo (ou alguns) que, dentro dos limites, não caracteriza um pecado, já que não se trata de usar o outro para sua própria satisfação, mas apenas um estágio intermediário que pode vir a se tornar um autêntico namoro.

Feitas essas considerações, convém lembrar que estamos diante de uma tentativa de banalização das relações amorosas, do sexo e do valor humano. Se alguns querem impor essa banalização dos relacionamentos como cultura brasileira ou como moda inocente, compete a nós, cristãos, impedir esse erro ensinando nossas crianças e nossos jovens a respeitar e valorizar o ser humano como um todo, imagem e semelhança de Deus.

SOBRE A BÍBLIA - EDIÇÃO PASTORAL

Fonte:Revista“PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, OSB.
Nº 342 – Ano 1990 – Pág. 514


Em síntese: A “Bíblia. Edição Pastoral”, em tradução e notas de Ivo Storniolo e Euclides Balancin, não preenche a finalidade que se propõe. Inspirada por ideologia marxista, deturpa as concepções da história sagrada e da teologia; a leitura materialista aplicada ao texto sagrado torna a mensagem imanentista, fazendo-a perder o seu caráter transcendental.

O Vocabulário do fim do volume e as notas de rodapé dão as chaves de interpretação dos livros bíblicos; a própria tradução portuguesa, num ou noutro ponto, deturpa o sentido do texto sagrado. Em conseqüência, deve-se lamentar a difusão de tal obra nos ambientes eclesiásticos do Brasil. A Pastoral não significa incitamento à luta de classes e às divisões entre os homens.


As Edições Paulinas publicaram uma nova tradução da Bíblia dita “Pastoral” (BP), acompanhada de notas de rodapé e Vocabulário, que vêm suscitando perplexidade: há os que defendem tal edição, devida a Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin, como sendo “o livro ideal” (ver “Jornal de Opinião”, 1-7/7/90, p. 3).

Mas há também os que a impugnam com argumentos sérios, mostrando graves falhas na inspiração básica e na confecção de tal tarefa. O assunto já foi abordado em PR 337/1990, pp. 285s. Voltamos ao problema, aduzindo novas observações, provenientes, em grande parte, de D. João Evangelista Martins Terra, Membro da Equipe Teológica do CELAM e da Pontifícia Comissão Bíblica.
1. Três observações básicas

A tradução do texto bíblico da Edição Pastoral é aceitável com algumas ressalvas. Todavia, as notas de pé de página e o Vocabulário, encontrado às pp. 1616-23, pretendendo dar a chave de leitura e interpretação da Bíblia, são alheios à Tradição bíblica judeo-cristã e distorcem a mensagem sagrada para o setor da ideologia sócio-político-econômica. Sem o perceber, o leitor desprevenido vai absorvendo uma concepção filosófica não cristã sob a capa de Palavra de Deus. Isto se depreende facilmente desde que se dê um pouco de atenção ao Vocabulário dessa Edição.

1.1. O elenco do Vocabulário

Eis os principais verbetes que interessam aos estudos e ao linguajar bíblicos ou os principais vocábulos da mensagem bíblica tomada como tal: Aarão, Abel, Abraão, Ação de graças, Adão, Adoração, Adultério, Água, Alma, Anjo…

Bem diferentes são os verbetes do Léxico da Edição Pastoral dispostos segundo a ordem alfabética:

Aliança, Alienação, Amor, Autoridade, Auto-suficiência, Campo, Celebração, Cidade, Comércio, Compaixão, Comunidade, Conflito, Consciência, Conversão, Corrupção, Dinheiro, Direito, Discernimento, Dominação, Educação, Encarnação, Escravidão, Esperança, Exploração, Fé, Fraternidade, Gratidão, Herança, História, Idolatria, Injustiça, Integridade, Javé, Jesus, Julgamento, Justiça, Lei, Liberdade, Libertação, Liderança, Lucro, Memória,… Poder,…Produção, Projeto de Deus, Prosperidade,… Repressão,… Riqueza, Roubo, Tributo,… Violência…

Estes vocábulos têm sua repercussão nas notas de rodapé, inspirando uma doutrina que já não é bíblica, mas preponderantemente marxista. Os próprios vocábulos tipicamente bíblicos que ocorrem no Léxico Pastoral, são esvaziados de seu conteúdo próprio e característico para assumir significação ideológica. Assim, por exemplo:

Aliança: É o centro da Bíblia. Deus se alia com os pobres e oprimidos para construir uma sociedade e uma história voltadas para a vida”.

Ora é de notar que a Aliança de Deus com os homens não começa na época dos pobres e oprimidos, mas é universal ou destinada a todos desde o início; o segundo Adão, Jesus Cristo, Mediador da nova e definitiva Aliança, tem sua imagem ou seu esboço no primeiro Adão, pai de toda a humanidade, conforme Rm 5, 14; é com os primeiros pais que Deus trava a primeira Aliança, voltada para todos os homens, conforme Eclo 17, 10.

Amor: Mistério de Deus e do homem. Gera a relação de onde brotam a liberdade e a vida”.

Celebração: Reunião do povo para comemorar os fatos centrais da vida e conservar a lembrança dos acontecimentos que marcaram a caminhada do povo”.

Este conceito se aplica às celebrações cívicas, não, porém, às celebrações litúrgicas, nas quais se torna presente e atuante a Páscoa (morte e Ressurreição) de Jesus Cristo para fazer que os homens participem da obra da Redenção.

Esperança: Dinamismo que mantém o povo aberto para realizar plenamente o projeto de Deus. A esperança leva o povo a buscar transformações econômicas, políticas, sociais e religiosas”.

Silencia-se o objeto supremo da esperança cristã, que é a vida eterna com a visão de Deus face-à-face.

Fraternidade: … Relação igualitária, onde todos, como irmãos, podem participar das decisões que constroem a sociedade, e juntos usufruir dos bens que cada um produz”.

Javé: É o misterioso Deus vivo que se manifesta respondendo ao clamor dos pobres e oprimidos para os libertar dos exploradores e opressores. Ele é a fonte e a meta da liberdade e da vida. Por isto é aliado daqueles que buscam liberdade e vida, opondo-se a todas as pessoas e estruturas que produzem escravidão e morte”.

Justiça: Realização do projeto de Deus. A justiça se concretiza na partilha e na fraternidade, dirigindo-se a sociedade para a solidariedade e a paz. Exige, para todos, a distribuição igualitária dos bens e a possibilidade de participar das decisões que regem a vida e a história do povo. Na Bíblia a justiça é eminentemente partidária, visando a defender a causa dos indefesos”.

Como se vê, os conceitos bíblicos são todos analisados em chave sócio-política, que supõe a luta de classes na sociedade.

Duas noções merecem especial atenção.

1.2. A Revelação

Eis como a apresenta o Vocabulário:

Revelação: Manifestação de Deus através das realidades da vida e dos acontecimentos da história. Mostra o caminho que o povo deve seguir. Exige a atenção do homem, pois Deus está continuamente se revelando”.

O conceito de Revelação que até hoje se prolonga, é ambíguo. A fé católica distingue:

1) A Revelação de Deus normativa que manifesta o desígnio de Deus e os meios de salvação; encerra-se com Jesus Cristo, como diz a própria S. Escritura: “Outrora muitas vezes e de muitos modos Deus falou aos pais pelos Profetas. No período final, em que estamos, falou-nos por meio do Filho” (Hb 1,1s).

2) Após Jesus Cristo, não há Revelação normativa; Deus proporciona “os sinais dos tempos” que reavivam no homem a consciência das verdades da fé, mas nada acrescentam de novo; estamos nos últimos tempos relativamente à doutrina (cf. 1Jo 2, 18).

O Papa Pio X condenou explicitamente a proposição modernista que dizia:

“A Revelação que constitui o objeto da fé católica, não se encerrou com os Apóstolos” (Denzinger-Schönmetzer,Enchiridion n.º 3421 [2021]).

O Concílio do Vaticano II reafirmou a clássica doutrina:

“Jesus Cristo aperfeiçoa e completa a Revelação e a confirma com o testemunho divino de que Deus está conosco… A economia cristã, como aliança nova e definitiva, jamais passará, e não há que esperar nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. 1Tm 6,14 e Tt 2,13)” (Const. Dei Verbum n.º 4).

Vê-se pois, que o Vocabulário da Bíblia Pastoral está longe do genuíno pensamento católico.

1.3. Projeto de Deus

Todo o Vocabulário e as notas de rodapé são perpassadas pela noção de projeto de Deus, que dá o sentido aos demais verbetes. Ocorre mais de seiscentas vezes na Edição Pastoral, e até mesmo cinco ou seis vezes na mesma frase.

Ora “projeto de Deus” no contexto dessa obra não é uma noção teológica; não significa nem Providência nem desígnio de Deus, mas, sim, algo de tipicamente marxista, como se depreende a seguir:

Projeto de Deus: Aliando-se aos que são marginalizados pelo sistema injusto. Deus entra na história com novo caminho: promover a liberdade e a vida para todos. Todavia esse projeto está sempre em conflito com o projeto das nações que alicerçam sua riqueza e poder sobre a escravidão e a morte do povo. A luta para manter vivo dentro da história o projeto de Deus é o ponto de honra do povo de Deus”.

Como dito, a expressão “projeto de Deus” entra na composição de muitos outros verbetes do Vocabulário como um chavão ideológico. Eis alguns espécimens:

Comércio: Atividade econômica fundamental da cidade, destinada… a gerar lucro, exploração e riqueza. No projeto de Deus, o comércio é superado pela partilha e gratuidade”.

Conflito: Choque entre grupos que têm objetivos e interesses diferentes. Na Bíblia, o principal conflito aparece entre o projeto de Deus para a vida e os projetos da auto-suficiência, que geram a morte”.

Consciência: Compreensão que o povo tem da realidade, a partir do projeto de Deus. Ela demitiza a ideologia da classe dominante, e cria discernimento para se construir uma sociedade fundada na justiça e na fraternidade”.

Educação: Relação entre gerações (pais-filhos), na qual se transmite a memória das lutas do povo, a fim de que a nova geração aprenda com os erros e acertos de seus pais. Dessa forma, a nova geração poderá criar caminhos novos e alternativos para realizar o projeto de Deus na história. As tradições da Bíblia se conservaram graças a esse processo”.

Encarnação: Deus encarna-se na vida e na história humanas, mostrando o valor inestimável que elas têm diante dele. A coerência com a fé exige que nos encarnemos também para que o projeto de Deus transforme as estruturas políticas e econômicas, dirigindo a história para a liberdade e a vida”.

Propriedade: O direito de propriedade é sagrado, e o mundo deve ser igualitariamente distribuído entre todos. A acumulação de propriedade, formando latifúndios, e a especulação imobiliária são contrárias ao projeto de Deus”.

Ressurreição: Passagem da morte para a vida. Não se refere apenas à morte física, mas a todas as mortes geradas por projetos contrários ao projeto de Deus”.

Sociedade: Grupo humano que realiza um projeto em comum, organizado em nível econômico, político, social e ideológico. Nem sempre a sociedade vive o seu projeto de acordo com o projeto de Deus, que provoca transformações profundas nas relações sociais”.

Estes poucos espécimens mostram que a mensagem bíblica é toda repensada e posta estritamente a serviço de transformações sócio-político-econômicas imanentes, sem que haja acenos à transcendência para a qual devem caminhar o homem e a história. A justiça e a reta ordem social neste mundo são germens do Reino de Deus, que só estará consumado no fim dos tempos ou no Além, jamais no decorrer da história. O materialismo marxista é que julga poder prometer a plena realização das aspirações dos homens no decurso da história mediante a redistribuição dos meios de produção material.

2. A filosofia subjacente

Quem lê atentamente os verbetes do Vocabulário e as notas de rodapé da BP verifica que são devedores ao que se chama “a leitura materialista da Bíblia”. Esta não nega Deus e os valores espirituais, mas julga que são “super-estrutura” ou derivados da “infra-estrutura” ou do jogo dos bens materiais no curso da história.

Com outras palavras: supõe que os fatores decisivos da história sejam de ordem material (econômica) e política; a procura de posse dos bens materiais e do poder moveria todos os acontecimentos da história e condicionaria a crença em Deus, o culto religioso e a definição das normas morais. Adotando teses do marxismo, os fautores da leitura materialista da Bíblia contrapõem entre si campo ecidade, como, aliás, fazem I. Storniolo e E. Balancin:

Campo: É o polo fundamental da produção que sustenta a vida. É explorado pela cidade”.

Cidade: Lugar da riqueza e do poder, que se concentram na mão de poucos, produzindo conflitos, principalmente com o campo” (p. 1616).

Partindo destes conceitos, os autores das notas da Bíblia Pastoral comentam o texto bíblico de maneira artificial e deformante:

Assim, por exemplo, o livro do Gênesis refere que Lote se separou de Abraão, ficando aquele com as cidades, e este com os campos. A nota a Gn 13,1-18 diz então o seguinte: “Ló escolhe a região onde estão as cidades; assim ele entra no âmbito de uma estrutura que se sustenta graças à exploração e opressão do povo. Abraão, ao invés, fica aberto para uma história nova, fundada unicamente no projeto de Deus” (p. 26).

O comentário de Js 4,1-24 justifica a partilha da terra de Canaã pelos filhos de Israel nos seguintes termos:

“Antes da instalação de Israel, Canaã era um conjunto de cidades-Estado que oprimiam e empobreciam a população camponesa, através do sistema tributário. A conquista realizada por Israel derrotou esse sistema e implantou o sistema das doze tribos…, visando construir uma sociedade justa e igualitária… A nova geração deve ser educada a não voltar para trás, reproduzindo o sistema social injusto” (p. 244).

Vejam-se as notas paralelas:

“Só existe verdadeira paz quando se erradica completamente o sistema injusto que explora e oprime o povo” (p. 253).

“A conquista da terra… destrói um sistema classista injusto” (p. 255).

“As Cidades-Estado de Canaã justificavam a política opressora e exploradora dos seus reis” (p. 272).

“Sem poder mais explorar os camponeses e suas terras, tais cidades não conseguiram oferecer sacrifício… seus armazéns ficaram vazios por falta de trigo. Enquanto isso, os camponeses vitoriosos conseguiram livrar-se dos tributos e puderam gozar da fartura” (p. 274).

“Para uma volta ao projeto de Javé, é necessário romper… o sistema opressor das cidades” (p. 276).

A leitura materialista da Bíblia, julgando que as cidades se enriquecem mediante o tributo cobrado dos camponeses, afirma que os tempos religiosos vêm a ser centros econômicos e políticos nos quais se deposita o lucro resultante da exploração comercial e tributária. É por isto que na p. 1237 se lê em rodapé:

“No tempo de Jesus o templo (de Jerusalém) possui imensas riquezas e toda a cúpula governamental age a partir daí. Desse modo a casa de oração e ofertas a Deus se torna um imenso Banco e lugar de poder político. Em outras palavras, a religião se torna instrumento de exploração e opressão do povo”.

Desnecessário é dizer que esta descrição fantástica do Templo no tempo de Jesus carece de toda base histórica. Esse Templo, devido ao rei Herodes, ainda estava em fase de acabamento na época de Jesus; as obras de decoração demoravam por falta de recursos, como descreve pormenorizadamente o historiador judeu contemporâneo de Jesus, Flávio José (Antigüidades Judaicas 15, 380-425).

Pelos mesmos motivos é despropositado o comentário feito em rodapé a Mc 11,15 (expulsão dos vendilhões do Templo):

“Acusando e atacando o comércio existente dentro do Templo, Jesus retira as bases sobre as quais se apoiava toda uma sociedade. Com efeito, era com esse comércio que se sustentava grande parte da economia do país. O gesto de Jesus mexe não só com um modo de vida religiosa, mas com toda uma estrutura que usa a religião para estabelecer e assegurar privilégios de uma classe e sustentar uma visão mesquinha de salvação. Por isso, os que se favorecem desse sistema, pensam em matar Jesus, mas temem o povo” (p. 1298).

Este comentário fica longe da realidade histórica. O que ocorria no tempo de Jesus, era o seguinte: como em todos os santuários (ou mesmo como em todos os lugares onde se aglomera muita gente), no Templo de Jerusalém acorriam, nos dias de festa, camelôs e vendedoras ambulantes que armavam suas bancas para vender alimentos, objetos para o culto (vítimas), lembranças ou para fazer o câmbio das moedas estrangeiras.

Esses pequenos comerciantes prestavam serviço aos milhares de peregrinos que afluíam ao Templo nas grande solenidades; mas o acúmulo de gente, com suas necessidades, dava ocasião propícia à ganância e à exploração. Entende-se então que Jesus tenha reagido contra esses abusos; tal reação, porém, não teve, em absoluto, as proporções que a Bíblia Pastoral lhe atribui:

“Acusando e atacando o comércio existente no Templo, Jesus retira as bases sobre as quais toda uma sociedade se apoiava. De fato, era com esse comércio que se sustentava grande parte da economia do país. O gesto de Jesus abala não apenas um sistema de vida religiosa, mas toda uma estrutura que usa da religião para estabelecer e assegurar privilégios de uma classe e para sustentar uma visão mesquinha de salvação. Jesus é apresentado como o rei legítimo, centro de nova aliança: ele… é aclamado pelas crianças como o Messias. Aqueles que são privados de apoio oficial e de poder, estão prontos para receber Jesus, enquanto as autoridades o rejeitam” (p. 1267).

Eis alguns espécimens da leitura materialista realizada pelos responsáveis da Bíblia Pastoral. Não se encontra nesta alguma alusão aos Santos Padres, à Tradição e ao Magistério da Igreja; o que aí se incute, é a perspectiva de uma sociedade estruturada segundo o marxismo e não a imagem do Reino de Deus em demanda de sua consumação escatológica.

Mc 8,27-33: A ação messiânica de Jesus consiste em criar um mundo plenamente humano, onde tudo é de todos e repartido entre todos. Esse messianismo destrói a estrutura de uma sociedade injusta, onde há ricos à custa de pobres, e poderosos à custa de fracos. Por isto, essa sociedade vai mater Jesus antes que ele a destrua”.

É este o comentário a uma passagem evangélica que fala da morte e ressurreição de Jesus. Estas são simplesmente silenciadas pelos comentadores, como se não tivessem, antes do mais, importância transcendental.

Além de se ressentir de inspiração ideológica marxista, a Edição Pastoral comete seus erros teológicos e exegéticos, como se verá a seguir.

3. Erros doutrinários

1. No tocante à vida póstuma, os autores das notas parecem professar a ressurreição dos corpos logo após a morte do indivíduo, em desacordo com a doutrina oficial da Igreja e dos textos da própria Bíblia. Com efeito, eis o que se lê à p. 1476:

“Em Corinto alguns pensam que, depois da morte, a alma imortal continua vivendo sozinha… Outros pensam que tudo termina com a morte… Paulo mostra que ambas as opiniões são contrárias ao núcleo da fé cristã”.

Na verdade, a própria S. Escritura (ou o próprio São Paulo) professa a sobrevivência da alma sem o corpo, ficando a ressurreição da carne reservada para o fim dos tempos. Ver, por exemplo:

1Cor 15, 22-24a : “Assim como todos morrem em Adão, em Cristo todos receberão a vida. Cada um, porém, em sua ordem: como primícias, Cristo; aqueles que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda (parusia). A seguir, haverá o fim”.

1Ts 4,16s: “Quando o Senhor, ao sinal dado, à voz do arcanjo e ao som da trombeta divina, descer do céu, então os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; em seguida, nós, os vivos que estivermos lá, seremos arrebatados com eles nas nuvens para o encontro com o Senhor nos ares”.

Estes dois textos situam a ressurreição dos mortos no momento da parusia ou da segunda vinda de Cristo. – Entre a morte do corpo e a ressurreição no fim dos tempos, a alma separada do corpo goza da sua sorte eterna (bem-aventurada, se a pessoa morreu em graça):

2Cor 5,8: “Estamos cheios de confiança, e preferimos deixar a mansão deste corpo para ir morar junto do Senhor”.

Fl 1,23: “Meu desejo é partir e estar com Cristo, pois isto me é muito melhor”.

Lc 23, 43: Disse Jesus ao bom ladrão pouco antes de morrer: “Em verdade eu te digo: Hoje estarás comigo no paraíso”.

A Congregação para a Doutrina da Fé explicitou esta doutrina numa Instrução datada de 17/05/1979, onde se lê:

“…3) A Igreja afirma a sobrevivência e a subsistência, depois da morte, de um elemento espiritual, dotado de consciência e de vontade, de tal modo que o “eu humano” subsista, mesmo sem corpo. Para designar esse elemento, a Igreja emprega a palavra “alma”, consagrada pelo uso que dela fazem a Sagrada Escritura e a Tradição. Sem ignorar que este termo é tomado na Bíblia em diversos significados, Ela julga, não obstante, que não existe qualquer razão séria para o rejeitar e considera mesmo ser absolutamente indispensável um instrumento verbal para sustentar a fé dos cristãos…

5) A Igreja, em conformidade com a Sagrada Escritura, espera a gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo, que Ela considera como distinta e diferida em relação àquela condição própria do homem imediatamente depois da morte.

6) A Igreja, ao expor a sua doutrina sobre a sorte do homem após a morte, exclui qualquer explicação que tirasse o sentido à Assunção de Nossa Senhora naquilo que ela tem de único; ou seja, o fato de ser a glorificação corporal da Virgem Santíssima uma antecipação da glorificação que está destinada a todos os outros eleitos”.

2. Algumas vezes as notas de rodapé da BP, de índole histórica, são derivadas da Bíblia de Jerusalém. Mas nem sempre de modo inteligente. Assim, por exemplo, no comentário de Ex 23, 14-19 a Bíblia Pastoral repete o mesmo erro que já ocorria na Bíblia de Jerusalém em português, afirmando que a festa das Semanas era celebrada durante sete semanas ou cinqüenta dias (p. 96). Ora a Festa das Semanas, chamada Pentecostes em grego, era celebrada cinqüenta dias após o começo da colheita, como explicam Dt 16,9 e Lv 23,16, mas não durava cinqüenta dias; durava um dia apenas!

3. A Bíblia Pastoral traduz 1Cor 7, 36-38 nos seguintes termos:

“Se alguém, transbordando de paixão, acha que não conseguirá respeitar a noiva, e que as coisas devem seguir o seu curso, faça o que quiser. Não peca; que se casem. Ao contrário, se alguém, por firme convicção, sem constrangimento e no plano uso de sua vontade, resolve respeitar a sua noiva, está agindo bem. Portanto, quem se casa com sua noiva faz bem; e quem não se casa, procede melhor ainda”.

Ora o texto grego original fala de virgem (parthénos), e não de noiva (nymphe). A tradução clássica é apresentada pela Bíblia de Jerusalém:

“Se alguém julga agir de modo inconveniente para com a sua virgem, deixando-a passar da flor da idade, e que portanto deve casá-la, faça o que quiser; não peca. Que se realize o casamento! Mas aquele que, no seu coração, tomou firme propósito, sem coação e no pleno uso da própria vontade, e em seu íntimo decidiu conservar a sua virgem, esse procede bem. Portanto procede bem aquele que casa a sua virgem; e aquele que não a casa, procede melhor ainda”.

Em nota a Bíblia de Jerusalém alude à tradução adotada pela Bíblia Pastoral como sendo pouco habitual. A Bíblia Pastoral prefere a nova maneira de traduzir, sem dar informações sobre o seu caráter muito hipotético.

4. Conclusão

É louvável a intenção de tornar o texto bíblico acessível e compreensível ao maior número possível de leitores. Isto, porém, não significa incutir determinada opção ideológica, de mais a mais que a ideologia marxista se apresenta ao mundo de hoje como fracassada e ultrapassada. A Justiça Social é sumamente desejável, sim; ela decorre da própria mensagem bíblica que a Doutrina Social da Igreja, através das encíclicas papais, vem desenvolvendo e aplicando aos nossos tempos. A Igreja não precisa de recorrer a sistemas heterogêneos para propor aos homens a autêntica mensagem da salvação.

Notemos a grande responsabilidade que toca a tradutores e editores da Bíblia: a linguagem do texto sagrado penetra e forma a mentalidade do povo que a lê. A tradução de Lutero plasmou a língua alemã. Permita Deus que a sua santa Palavra não sirva de instrumento para levar o povo cristão à deterioração e a desvios da fé!